quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Seção 80 na Vitrola / Tears For Fears - Songs From The Big Chair


Em 1985 o synthpop começava a se transformar, deixando um pouco o antigo minimalismo de lado para incorporar sonoridades mais distintas, mais populares e mesmo mais rocks. Talvez tenha sido o um dos últimos grandes anos da música pop em seu estado bruto, quando as grandes obras que foram usadas de espelho nos anos que se seguiram foram criadas. Hoje nosso blog traz pra vocês um pouco da história de um dos maiores álbuns da indústria fonográfica, um dos mais vendidos e mais bem produzidos de que se tem notícia: Songs From The Big Chair, da dupla Tears For Fears.


A banda


Tears For Fears (ou como era conhecido na época no Brasil, "Tias Fofinhas", apelido este negligenciado pela própria banda - e com razão) se formou no início dos anos 80 como um duo, interessados no minimalismo do synthpop e por psicologia (a influência da Teoria do Grito Primal, do psicanalista Arthur Janov foi muito grande sobre a banda, inclusive para a escolha do nome do grupo, que significa "Medos por Lágrimas", ou a troca do medo por lágrimas, e está explícito nas letras neuróticas do duo). A banda, formada principalmente por Curt Smith (na capa, à direita) e Roland Orzabal (obviamente à esquerda), ainda trazia em seu line-up o baterista Manny Elias e o tecladista Ian Stanley.


O começo e o primeiro sucesso


Em 1983 é lançado o primeiro disco da banda, "The Hurting", que trazia um synthpop em estado puro, calcado na sonoridade alcançada por Gary NumanFad Gadget e - talvez a maior influência de todas as bandas synth da época - Donna Summer (na música "I Feel Love" de 1977). Segundo a Wikipédia, as grandes influências da banda surgiram dos discos dos Talking HeadsPeter Gabriel e Brian Eno. Após dois singles que não emplacaram ("Suffer The Children" e "Pale Shelter"), em novembro de 1982 é lançado "Mad World", e a banda decola. Em março de 1983 sai o primeiro álbum, atingindo o primeiro lugar nos charts ingleses, onde ganharam disco de platina, e ficando em 73º nos EUA, onde ganharam um disco de ouro. O disco também é classificado dentro da new wave e da dark wave, visto as letras sombrias e a sonoridade densa. Mas o verdadeiro sucesso viria dois anos depois.


Os Sons da Grande Cadeira


Em 1985 é lançado "Songs From The Big Chair", onde o lado psicológico emocional da dupla aflora de todas as formas, da capa simplória, ao nome do disco, às sonoridades e às letras. A dupla surrupiou a idéia do nome do disco de um filme chamado "Sybil", de 1976, que tratava de uma mulher com síndrome da dupla personalidade que só se sentia segura quando sentava na "grande cadeira" de seu analista. Foi uma loucura. O disco estourou no mundo todo, atingindo ótimas posições em várias partes do globo. No total foram 16 discos de platina (3 na Inglaterra, 7 no Canadá, 1 nos Países Baixos e 5 nos Estados Unidos) e um disco de ouro (na Alemanha). Só nos EUA foram mais de 5 milhões de cópias vendidas, o que lançou a banda para um estrelato talvez jamais imaginado pela dupla. E não era para menos. O disco desfilava sucessos, grandes canções, uma atrás da outra, que serão enumeradas e comentadas mais abaixo.


Entrevista


Contar a história da banda baseado no que se lê na internet é fácil, basta procurar um pouco e se encontra todas as palavras e fatos que foram escritos até agora. Sempre tenho esse pensamento quando escrevo meus textos, então, para não ser apenas uma compilação de informações já divulgadas, sempre procuro fazer a tradução de entrevistas ainda não traduzidas para nossa língua, como uma forma de expor idéias vindas dos próprios compositores, e para que eles mesmos contem uma parte de sua história. Não será diferente com os Tears. Com vocês, alguns trechos que selecionei de uma entrevista com Curt Smith para o blog Old School (
http://oldschool.tblog.com) neste ano.


Old School: - Como a banda foi formada em 1981? Como foi escolhido o nome da banda?
Curt Smith: - Roland e eu tocávamos juntos desde que tínhamos 13 anos. O nome foi inspirado em um livro chamado "Prisioneiros da Dor" (Prisoners Of Pain), de Arthur Janov.


OS: - O segundo álbum de vocês, "Songs From The Big Chair" estourou nos EUA e no mundo todo. Como foi perceber que vocês tinham realizado algo tão gigantesco?
CS: - Não me recordo de algum momento específico. Infelizmente, quando uma banda se torna famosa, a maioria do tempo é tomado excursionando, dando entrevistas e aparecendo na televisão ou no rádio. E entre estes momentos, as pessoas te cercam e te pressionam a produzir mais coisas, então não havia realmente um momento para sentar e aproveitar.

OS: - É verdade que a faixa "Everybody Wants To Rule The World" foi a última a ser gravada e adicionada ao álbum? Você esperava que ela se tornasse um dos seus maiores hits?
CS: - Foi a última canção adicionada ao SFTBC, e não tínhamos idéia de que seria um sucesso. Na verdade, nunca sabemos o que será um sucesso. Apenas registramos o que nos deixa bem.


OS: - Como ocorre o processo de composição do Tears For Fears? Como é decidido quem canta em cada música?
CS: - Normalmente é um processo orgânico. Certas canções atendem à minha voz, outras à do Roland. Nós naturalmente sabemos.


OS: - Qual sua canção favorita da banda?
CS: - "Sowing The Seeds Of Love" é provavelmente a música mais completa que fizemos, onde a composição e a produção trabalham muito bem juntas.


Os envolvidos


Roland Orzabal - Guitarrista, tecladista e vocalista



Curt Smith - Baixo e vocal


Manny Elias - Bateria (começou a carreira na banda Interview. Trabalho também com Peter Gabriel - vocalista do Genesis -, Peter Hammil - vocalista/tecladista do Van Der Graaf Generator - e Julian Lennon, filho de John Lennon).


Ian Stanley - Teclados (também produziu algumas bandas, como a alemã PropagandaThe Sisters Of Mercy e Human League. Também trabalhou com A-haThe PretendersNatalie Imbruglia, entre outros).


David Bascombe - engenheiro de som (trabalhou também com Depeche Mode em "Music For The Masses", ErasureThe Human LeagueSuede em "Coming Up", Placebo, entre outros).


Paul King - Manager (trabalhou com inúmeras bandas, entre elas Elton JohnGenesisHumble PieSex PistolsSadeDire StraitsThe PolicePaul McCartney, entre outros).

Chris Hughes - produtor (trabalhou com várias bandas, mas as que mais se destacaram foram os Tears e Peter Gabriel)

O Disco"Songs From The Big Chair" foi lançado em 25 de fevereiro de 1985, foi gravado entre 1983 e 1984, e possui 41min19seg que se dividem entre 8 faixas (ao menos na versão original). No seu lançamento houve uma série de reclamações devido ao número de faixas, relativamente escassas. Porém dificilmente alguma delas possui menos de 5 minutos. Em 1999 surge uma versão remasterizada, que adicionava 5 músicas novas e mais duas remixes. E por fim, em 2006, uma versão dupla de luxo é lançada, com 16 faixas de estúdio e mais 12 remixes e edições.


Faixa-a-faixa

1 - O LP abre com a clássica "Shout", cantada por Orzabal (parece haver uma diferenciação para os dois: Curt cantou as canções mais calmas e Roland as canções mais rock), que atingiu a posição #4 no Top 40 inglês e #1 na Billboard Hot 100, além de atingir o Top Ten em 25 outros países. Inquestionavelmente um dos maiores hinos do synth-rock (como alguns chamam o estilo da dupla a partir deste álbum), possui uma produção impecável, conta com uma percussão pesada, um solo de baixo e ainda backing vocals femininos.



"A canção foi escrita na minha sala, em frente a um pequeno sintetizador e uma bateria eletrônica. Inicialmente eu só tinha o refrão, repetitivo, uma espécie de mantra. Eu a enxergava como uma boa faixa, mas Stanley e Hughes (o produtor) estavam convencidos de que seria um sucesso no mundo todo." (Roland Orzabal)



"Isso é tão simples que devemos levar em torno de 5 minutos pra gravar." (Chris Hughes, antes das gravações de Shout)

Significados

"É um protesto político. Ela foi feita em 1984, quando muitas pessoas estavam preocupadas com as consequências da Guerra Fria, e foi basicamente um encorajamento para protestar." (Roland Orzabal)


"Trata-se de um protesto na medida em que incentiva as pessoas a não fazer as coisas sem questionar. As pessoas agem sem pensar, porque é assim que são as coisas na sociedade." (Curt Smith)

2 - Segue o disco com "The Working Hour", música pouco conhecida, porém mantendo o nível de qualidade da dupla. Uma introdução de sax, uma letra obscura que - a princípio - critica a sociedade consumista e as formas de trabalho escravista, onde somos pagos para cometer erros pelos outros, e uma ótima levada pop.



3 - "Everybody Wants To Rule The World". A última música a ser incluída no álbum, devido à falta de perspectivas sobre a mesma. Na banda, ninguém acreditava que ela pudesse de alguma forma se encaixar no álbum, trazendo a tona uma situação muito comum no meio musical, onde muitas vezes a música pela qual ninguém dá o menor valor acaba se tornando um dos maiores hits da banda. Com "Everybody..." não foi diferente. Pressionados pelo produtor Chris Hughes, os Tears cederam e gravaram esta faixa, após todas as outras faixas do álbum estarem prontas. A batida da música foi emprestada da canção "Waterfront", do Simple Minds, que gravava seu álbum no estúdio ao lado. O vocal solo é do baixista Curt Smith.

"O conceito é muito sério. É sobre todo mundo buscando o poder, sobre a guerra e
a miséria que a mesma causa." (Curt Smith)

A execução da música foi proibida na China, em função do significado do título e das letras.


4 - O lado A do LP encerra com "Mothers Talk", primeiro single do álbum, lançado em 06 de agosto de 1984. As cordas do início da canção foram tirados de uma música de Barry Manilow. Como mera curiosidade, esse single foi o último da Mercury Records que utilizaria discos coloridos e imagens gravas no vinil. Talvez a música que mais tenha relação com o primeiro álbum da dupla. Synth vigoroso, com um refrão que gruda na cabeça.


"Este foi um teste para o 'Songs From The Big Chair', nosso segundo álbum, onde
tentamos nos tornar mais comerciais. Eu era contra, mas acabei influenciado por
pessoas com quem eu trabalhava. Eles queriam usar todas as armas, e eu não
estava preparado pra isso. Foi a partir deste ponto, porém, que as coisas
começaram realmente a explodir. A música deriva de duas idéias. Uma delas é
sobre algo que as mães dizem aos filhos quando os mesmos ficam fazendo caretas.
Elas dizem que o rosto deles ficarão paralisados quando o vento soprar. A outra
idéia deriva de um livro em quadrinhos com motivos anti-nucleares criado por
Raymond Briggs, chamado 'When The Wind Blows'." (Roland Orzabal)


5 - A música "I Believe" abre o lado B do disco, sendo a primeira música onde a produção é creditada apenas à banda. Foi escrita por Roland Orzabal que tinha planejado a princípio oferecê-la ao músico britânico Robert Wyatt, mas depois de algumas discussões foi decidido que o Tears iria gravá-la em seu álbum. Ainda assim muitas pessoas confundem a música, achando que se trata realmente de Wyatt, devido à forma como a mesma é cantada.


6 - "Broken". Uma das favoritas dos fãs mais xiitas do Tears. A combinação de sintetizadores e guitarras saturadas dão a impressão da música estar correndo para frente, e tem-se a impressão, quando o vocal entra, após 1min43seg, de que a música possui vida própria.


7 - Minha favorita. "Head Over Heels" havia sido desenvolvida quase dois anos antes do álbum, e seria interligada com a canção "Broken", pois as duas possuem os mesmos motivos de piano/sintetizador. Apesar de separada, nos shows ao vivo, os Tears costumam costurar as duas em uma só, como a priori deveria ter sido. Uma versão do LP, lançado pela Vertigo, traz uma alteração interessante, talvez nunca pensado antes por alguma banda de rock progressivo, estilo que costuma usar essa técnica de costurar músicas: a sequência na versão da Vertigo começa com "Broken", passa por "Head Over Heels" e acaba numa versão ao vivo de "Broken".

"É basicamente uma canção de amor e uma das faixas mais simples que o Tears For
Fears
 já gravou. É uma canção de amor que se torna perversa no final." (Roland
Orzabal)

"Head Over Heels" foi apresentada com destaque no clássico cult "Donnie Darko". Segundo o diretor Richard Kelly, a cena em que a canção foi usada foi escrita e coreografada já com a música em mente.


8 - "Listen" encerra o LP se afundando na tristeza. Uma das mais belas canções do álbum.


No geral, "Songs From The Big Chair" foi o 'canto do cisne' do bom relacionamento entre Roland e Curt. Após ele, percebe-se um certo ciúmes por parte de Roland no seu envolvimento com o restante da banda. Mesmo assim, isso não foi motivo para a realização do próximo álbum, quase tão bom quanto o "Songs...": "The Seeds Of Love", de 1989. Mas essa é outra história...


2 comentários:

  1. Parabéns pela página, é a melhor abordagem que já li sobre o segundo álbum do Tears, sensacional !!!

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  2. Parabéns pela página, é a melhor abordagem que já li sobre o segundo álbum do Tears, sensacional !!!

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